Conto 02 - (RE)Acreditando no Natal - Laura Nepomuceno


(RE)Acreditando no Natal



"É véspera de Natal. Ótimo. Mais um ano onde todos comemoram e eu fico chorando lembrando do meu pai. Sim, ele morreu no Natal. Tem coisa mais triste que isso? Deve ter, mas não para mim. Não para minha família, que todo ano comemorava o Natal juntos, felizes e agora... Agora ainda nos reunimos, mas não é a mesma coisa sem meu pai e nunca será. Nunca mais eu e meus irmãos iremos fingir que estamos dormindo e esperar o "papai Noel" aparecer, nunca mais vamos fazer biscoitos para ele, nunca mais vamos enfeitar a árvore com a mesma euforia que anos antes. Porque para nós não temos mais um papai Noel."
Foi com esse pensamento que acordei de manhã, mais um ano se passava sem a presença do meu querido pai.
- Luana! Acorda menina! Já está tarde e você tem que sair para comprar as coisas que faltam. - gritou a minha mãe.
- Já vou! - me levanto e olho para a janela, não tem neve. Ótimo. Alguém bate na porta. - Mãe, eu já tô indo!
- Não é a mãe, Lu, sou eu. - e minha irmã caçula aparece ainda de pijama e coçando o olho. - Pedro tá perguntando se você vai querer ajudar a arrumar o resto que falta da casa com a gente.
- Vamos arrumar a casa, para o Natal?! - minha mãe só podia ter enlouquecido.
- Mamãe falou que já tava na hora de comemorarmos como antes, mesmo eu não lembrando muito bem como era, ela disse algo como "seu pai ficaria muito triste se deixássemos isso se prolongar por mais tempo". Então eu e o Pe estamos arrumando a casa e está sendo tão divertido Lu, você vem né? - disse ela gesticulando as aspas e depois me olhando com a cara mais fofa do mundo. É claro que ela não lembrava como era, ela só tinha 1 ano quando papai morreu.
- Eu preciso fazer a feira, depois a gente vê isso, pode ser? - eu disse já me arrumando para sair, não aguentaria ficar naquela casa sabendo que ela estava sendo arrumada para o natal nem mais um minuto. Por que minha mãe fez isso? Ela só poderia está brincando. Uma vontade de chorar me surgiu, mas segurei e engoli o choro. Peguei meu celular, a carteira e a lista de coisas para comprar e saí em disparada para o supermercado.
Quando cheguei no supermercado começou a esfriar, sinal de neve. As crianças a minha volta estavam animadas com a possibilidade e ficavam o tempo todo puxando suas mães para fora. Eu fiquei parada durante um tempo, observando essas crianças felizes, olhando para o céu, esperando a tão sonhada neve de natal cair.
Entrei para comprar logo as coisas antes que ficasse mais difícil para voltar caminhando para casa com todas as sacolas que eu teria que levar. Fui olhando a lista e percebendo que minha mãe estava, realmente, disposta a fazer uma bela ceia de Natal para nós esse ano. Porque ela não me avisou desse seu plano? Provavelmente, porque sabia que eu seria contra. Paguei as compras e me preparei para ir embora, mas percebi que não teria como eu levar tudo sozinha. Ótimo, o dinheiro não dava para eu ir de táxi, teria que ligar para minha mãe. Chamou e deu na caixa postal. Obrigada mãe. Peguei as sacolas em duas levas e me sentei num banco do supermercado. Já estava ficando tarde e a neve estava aumentando.
- Dia difícil? - virei e olhei para cima, um cara, por volta dos 40 anos, com uma barba grande de mentirinha branca estava parado ao meu lado. Só faltava essa.
- Não é da sua conta. - respondi grosseiramente.
- Posso sentar ao seu lado? - Virei a cara. E ele entendeu como um sim. Ótimo.
- Hoje foi o dia que eu mais trabalhei. - eu olhei de soslaio,ele continuou - Você sabe, trabalhar como papai Noel no supermercado. As crianças hoje se multiplicam para tirar fotos, pedir seus desejos e tudo mais.
- Não sabia que tinha isso por aqui.
- É, decidiram fazer esse ano e eu fui o contratado para esse papel. Você gosta do Natal? - vendo que eu não iria responder, continuou - Eu, gosto me lembra dos bons momentos que eu tive. Gosto de todo o significado. Sabe qual é o significado do Natal pra mim? É uma forma de estar mais perto de quem se gosta. Você pode passar o ano inteiro sem falar com a pessoa, mas no Natal todo mundo se reúne para desejar coisas boas uns aos outros, é claro que quando é família sempre tem uma briga ou outra, mas gosto disso torna tudo mais real e íntimo. Você quer ajuda? 
- O quê? - perguntei assustada. 
- Ajuda, para levar as coisas, já estamos aqui a alguns minutos e ninguém veio para te buscar, pensei que estava precisando de ajuda e vim aqui.
Olhei para ele pela primeira vez. Ele parecia que não estava mentindo. Algo em seus olhos me fez acreditar que realmente estava disposto a ajudar. Eu ponderei durante alguns minutos, vi no celular que estava ficando tarde e minha mãe deveria realmente está ocupada por não ter retornado as minhas ligações.
- Não vamos de carro. Eu moro perto daqui, você pode me ajudar a levar as coisas andando? - respondi erguendo uma sobrancelha, porque é claro que eu não aceitaria entrar num carro com um desconhecido. 
- Certo, não tenho carro mesmo. - me surpreendi, mas muitas pessoas aqui não têm carro mesmo. Me levantei carregando algumas sacolas, ele pegou as outras.
Saímos do supermercado e estava vetando muito e a neve não ajudava muito a enxergar o que estava a frente, mas como o caminho era conhecido não fiquei com medo. O estranho começou a puxar assunto, perguntando o meu nome e coisas banais, contei a ele dos meus irmãos mais novos (a quem ele se interessou bastante) e sobre a minha mãe. Depois ele perguntou o porquê de eu não gostar do Natal.
- Meu pai morreu. Há 5 anos, no natal, acidente de carro... Foi isso. - disse com a voz embriagada pelas lágrimas que se forçavam a sair e eu não deixava.
- Me desculpe, por me intrometer tanto... Ele gostava de comemorar?
- Não se preocupe, ele amava o Natal, todos nós lá em casa amávamos.
- E agora vocês não comemoram mais...
- Não comemorávamos até hoje. Não sei por que, mas minha mãe decidiu comemorar, hoje de tarde eles estavam arrumando a casa e foi quando eu sai para fazer as compras, não iria aguentar ficar lá, sabendo que meu pai não iria aparecer.
- Deve ser complicado, mas não acho que seu pai gostaria que vocês não comemorassem mais o Natal, você mesma disse que ele gostava muito, talvez seja um modo de ficar mais perto dele, comemorando algo que ele gosta. Sei que pode ser difícil para você, mas aposto que seu pai ficaria feliz se todos vocês estivessem feliz. Esses anos que se passaram, tenho certeza que foi triste para você, por não ter seu pai, para sua mãe por não ter seu marido, sua companhia diária, seu melhor amigo e seus irmão por não poderem comemorar uma festa tão especial e mágica quanto o Natal é para as crianças, visto que eles eram muito jovens para lembrar do ocorrido. Sei que seu pai gostaria de ver vocês felizes mais que tudo nesse mundo, que ele os amavam. E se comemorar o Natal ajudaria a manter vocês mais próximo dele, por que não? 
Eu parei e olhei para ele. Eu nunca havia pensado dessa forma. Será mesmo que meu pai ficaria feliz que comemorássemos o Natal sem ele?
- Pronto chegamos. - ele disse. Me assustei não havia percebido que estávamos tão perto de casa assim.
- Obrigada, por me ajudar...
- Tenha um feliz Natal Lulu, você e toda a sua família. - ele me deu um abraço e sorriu para mim. E com isso foi embora. 
- Ei! Mas você não me disse o seu nome! - gritei, mas ele não me escutou já havia virado a esquina.
Quando abri a porta de casa dei de cara com meus irmão mais novos todos animados com os presentes, ainda intactos, em baixo da árvore de Natal na sala. 
- Olá! Agora me ajudem aqui, a levar essas coisas para a cozinha.
Assim fomos os três em direção à cozinha, onde minha mãe estava.
- Filha! - disse ela me abraçando - Desculpa não ter te atendido, tive que ir na loja de brinquedos comprar os presentes dos seus irmãos, deixei eles com a vizinha, mas você sabe como eu fico com isso né? Então meu celular descarregou e só cheguei quase agora. Agora, quanta sacola você trouxe. Você veio sozinha nessa neve?!
- Não se preocupe mãe. Não, eu tive ajuda de um homem lá do supermercado. Ele veio até aqui... - então me dei conta que em nenhum momento disse onde morava e ele sabia exatamente onde era, pelo modo que me avisou quando chegamos, mas como isso? Percebi que minha mãe me observava e continuei - Ele veio até aqui e me ajudou com as compras.
- Você sabe o que eu penso sobre isso né? Não deveria sair por ai aceitando ajuda de estranhos, Luana! Sorte sua que ele era um bom moço. 
- Era sim mãe. Agora me diz, por que a senhora decidiu isso logo agora?
Ela ficou vermelha.
- É, eu sei que vai parecer estranho, mas eu sonhei com seu pai, sonhei que ele dizia que comemorar o Natal nos faria bem e que era um modo de ficarmos próximos dele e também nos aproximarmos mais. Besta né? Eu sei que se você soubesse mais cedo não aceitaria e por isso... - disse ela com a voz falhando - Eu sinto tanta a falta dele, achei que este ano nós poderíamos... Ao menos uma vez, prometo que ano que vem não faremos nada. Eu só achei que seria uma boa ideia, vendo o sorriso dos seus irmãos ao enfeitarem a árvore. Foi tão bom, minha filha. Você consegue me entender.
Meu pai... Ela deve ter percebido minha cara de assustada, mas não liguei. Será que era possível? Olhei para ela e sorri.
- Sim mãe, eu entendo e não vejo mais motivos para não comemorarmos o Natal, você está certa, ele iria gostar, tenho certeza. - e assim abraço ela, nesse momento olhei para janela da cozinha e vi  uma estrela cadente passando, fechei os olhos e disse baixinho: te amo pai, estava com saudades.

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